TRILOGIA “HISTÓRIAS DE TIO LÔ ” - 1. GENTE BROTANDO DO CHÃO
- Saulo César Paulino e Silva
- há 5 dias
- 3 min de leitura
Atualizado: há 3 dias

Hoje é sexta-feira (Santa) para aqueles que seguem o Cristianismo pra ser mais exato. Dia para reflexões e aprofundamento nos mistérios da espiritualidade humana!
Mas independente da fé (ou ausência dela) que o leitor abraça, a história que vou compartilhar poderá mexer com as suas convicções.
Essa minha (quase) certeza tem como referência uma vivência no mínimo inusitada, sobre o que Seu João Vicente, meu finado pai, contou, quando ainda, éramos crianças.
Inclusive, essa narrativa foi tão surreal, que me inspirou a criar uma trilogia literária, sendo esta a primeira delas.
Para entender melhor essa história, será preciso revisitar, confiando em minha memória episódica , um pouquinho da juventude de seu João Vicente.
Diferentemente de como o conheci, segundo relatos de minhas tias, seu João gostava de rodas de samba, de um bom carnaval, boas companhias, um cigarrinho dentre outros prazeres que a vida proporciona.
Foi na volta de uma noitada, já de madrugada, depois de muito samba nas imediações da casa da Vó Florisia, que seu João notou algo estranho! O repique do tamborim e a marcação do surdo ainda mexiam com os seus sentidos.
Cantarolava alguma canção de Erivelto Martins, entre uma tragada e outra (ou seria do mestre Cartola?). Isso realmente não importava. O que se sabe é que lá vinha João Vicente, também conhecido como “Lô”, entre passos e alegrias. Estava abastecido para enfrentar uma nova semana e garantir a sobrevivência de seus 10 irmãos, além de Dona Florisia Rosa da Silva, viúva de Francisco Vicente, o "Chico Vicente", funcionário público, meu Avô, falecido ainda no início dos anos de 1930. A sua época, conviveu com personagens importantes na região de Campo Grande como o médico Dr. Domingos do Couto, que hoje empresta o seu nome a uma tradicional rua no centro do bairro.
Campo Grande de antanho, onde nasceu e cresceu João Vicente, meu pai, naqueles tempos, era formado por grandes extensões de terra; marcadas por engenhos, sítios e fazendas, pontilhado de pequenos comércios típicos da paisagem rural.
Para chegar em sua casa, “Lô” deveria caminhar um bom par de quilômetros até a Estrada das Capoeiras, saindo do Pedregoso, bairro vizinho!
Só a título de curiosidade, no seu percurso de volta, margeava uma localidade chamada "Morro do João Vicente”, que mais tarde soube ter sido propriedade do meu bisavô, um pequeno comerciante, que ali viveu nos anos de 1860, ainda no Brasil Império, cujo neto herdaria o mesmo nome.
Aquele algo estranho, que notou, foi ganhando forma e a medida que se aproximava ia se transformando em uma aparição do outro mundo! Homens e mulheres, estas com uma espécie de trouxas sobre suas cabeças, brotavam do chão!
Apareciam como luzes brilhantes e caminhavam em direção a mata em meio ao silêncio absoluto da escuridão reinante, desaparecendo logo em seguida.
Com todos os pelos do corpo eriçados, “Lô” sentiu um calafrio trespassar sua espinha. Esqueceu o samba, o Erivelto, o tamborim e o surdo. Disparou em desabalada carreira, vencendo os mais de 5 quilômetros que ainda faltavam para chegar em casa.
Na manhã seguinte, relatou o ocorrido para sua mãe! Dona Florisia, do alto de sua sabedoria ancestral, ouviu toda a narrativa com muita atenção. Ao final, disse para João que naquele lugar houve muito sofrimento.
Em um ponto qualquer daquele caminho, havia existido um tronco onde os escravos fugitivos, depois de capturados, eram açoitados sem dó, nem piedade e muitos não resistiam.
Seria, então, aquela visão uma manifestação sobrenatural das “almas ” vitimadas por tanta crueldade?
Meu pai nunca fez essa pergunta explicitamente, mas a deixava escapar nas entrelinhas sempre que relembrava essa passagem.
Portanto se isso aconteceu não posso afirmar, mas deixo para que você, leitor, decida qual seria a melhor resposta para essa pergunta!
Foto de personagens (reais) que fazem parte dessa história.



Música "Como antigamente", que compus em homenagem as lembranças que vivi na casa de minha Avó Florisia.
Commenti