Este conto foi escrito nos idos de 1990. É um resgate das memorias de quando,ainda, cursava Letras, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tempos de efervencência cultural e de luta pelos direitos à liberdade de pensamento.
Qualquer semelhança com a realidade atual não é mera coincidência!
Espero que apreciem.
O domingo transcorria normalmente na Igreja da pequena cidade. A noite estava quente e abafada. O povo se dirigia para lá, empertigados e convictos. Vinham dos lugares mais distantes, das roças, fazendas vizinhas; a pé, a cavalo ou mesmo de barco!
O pastor, um tal Reverendo “Messias”, era um homem simpático e muito carismático. Aparentava uns 50 anos e reconhecido na região por sua bondade “divina” e sobretudo por ter chegado ao lugar sem um níquel, e hoje morava na melhor casa da cidade. Como ele havia ficado rico, ninguém sabia. O fato era que estava muito bem financeiramente.
Mas voltemos a noite de hoje!
Preparava-se para o culto noturno, dando os últimos retoques em seu discurso. Subiu ao púlpito, deu uma olhada geral e observou que a casa estava cheia. Não tinha lugar para mais ninguém.
O ar cheirava “pesado”, a corpos suados, sapatos apertados nos pés rudes daquela gente simples.
Começou a sua pregação com a convicção habitual. No entanto, estava preocupado com o caixa da igreja, pois andava meio baixo e os seus negócios não podiam esperar o próximo mês, quando viria a nova “remessa” do dízimo, como de costume.
Estava, assim, preso aos seus íntimos pensamentos, quando uma menina começou a passar mal, no auditório. Talvez, fosse o calor, pensaram alguns irmãos e tentaram acudi-la logo.
Nesse interim, um estranho brilho se apossou do nosso pastor naquele momento. E como o estrondo de um trovão, sua voz se fez ouvir:
- É o demônio, Irmãos!
Sim; precisamos bani-lo do nosso meio, aleluia. Tragam aqui essa pobre criatura.
A menina foi levada até a frente. Seus olhos estavam semicerrados, cabeça baixa, um soluço anunciava o vômito próximo. Ela, coitadinha, quase não conseguia ficar em pé.
O calor era insuportável!
Os irmãos suavam em bicas dentro dos seus paletós fechados e sus camisas abotoados até o pescoço.
- Aleluia, irmão!
Gritava freneticamente o pastor.
-Aleluia.
Respondia em coro a igreja.
Hoje, meus irmãos, é um dia muito especial. Satanás está nessa menina e vamos enxotá-lo para bem longe.
À medida que o seu discurso se inflamava, o burburinho entre os fieis aumentava; àquela altura já não se podia entender o que diziam, pois o barulho era geral e ensurdecedor.
O pastor gesticulava, andando de um lado para o outro, freneticamente, segurando a menina pelos braços.
No clímax da cena, entre o primeiro e o segundo ato, podia-se observar um outro movimento, paralelo aos apelos do pastor. Entre os fiéis circulava um saco vermelho, onde era depositado a “oferta da boa vontade”.
- Deus está presente, agora! Mostre que são fortes, irmãos. Depositem o que puderem no “saquinho da esperança”, e Deus ficará contente. Vamos mostrar para Satanás a nossa força e união.
Empolgados pela emoção, os irmãos iam colocando no “saquinho da esperança”, aquilo que podiam e, muitos, o que não tinham.
Eram relógios, pulseiras, notas graúdas ou não, enfim, tudo o que tinham.
Com um olho aberto e outro fechado, o Reverendo ia conduzindo o seu rebanho.
Quando percebeu que o “saquinho da esperança” estava abarrotado, disse:
- Satanás, você é um covarde! Por que não aparece para me enfrentar cara a cara?
Nesse meio tempo, a menina, que tinha sofrido um mal estar momentâneo, já estava recobrando os sentidos. Ainda bastante assustada, tentava entender tudo aquilo que estava se passando.
Voltando-se para ela, o “Messias” perguntou:
- E você filha, como está? Se você quiser demonstrar a sua fé e força é só depositar no “saquinho da esperança”. E com um sorriso malicioso nos olhos, arrematou para a sua igreja:
- Queridos irmãos, esta filha de Deus está salva! Satanás não é forte o suficiente para nos derrotar.
- Aleluia, aleluia gritavam extasiados os fiéis.
A música tomou conta de todos naquele momento.
E mais uma alma estava “salva” do inferno; e, mais uma vez, os negócios do Reverendo estavam salvos da perdição.
Amém!
Os métodos mudaram, os "Reverendos" se atualizaram, o povo continua sendo enganado, satanás levando a culpa do muito que nem sempre fez, o homem por si se corrompeu e continua a usar em vão, o Nome Santo de Deus.