Profa. Teresinha Bernardo
Diariamente, construimos e reconstruimos nossas identidades sociais, muitas vezes, permeadas de memórias afetivas em que o relato pessoal e a ficção literária se alternam.
É nessa perspectiva que passarei a contar uma de minhas histórias vivenciais.
O ano era 1992 e lá estava eu cursando Língua Portuguesa, na Pontífícia Universidade Católica de São Paulo. Foram tempos difíceis, pois o que eu ganhava, trabalhando na Universidade de São Paulo, como auxiliar de biblioteca, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), mal dava para me manter, quem me dera pagar uma mensalidade que beirava o impossível, como era a fatura da PUC!
No entanto, nem tudo era, assim, desanimador e desesperançoso, embora as mensalidades atrasadas estivessem se acumulando em progressão geométrica em meio a renegociações de dívidas. Mesmo assim, o sacrifício estava valendo a pena, pois aquela vivência se traduzia em tempos de descoberta e construção de conhecimento; o que deixava o horizonte cheio de esperança.
Foi no retorno de uma viagem, que fiz à Capital do Mato Grosso, que conheci a Profa. Teresinha Bernardo, ou simplesmente, Teresinha. Estive naquele estado, pesquisando, para minha Iniciação Científica, a comunidade ribeirinha de São Gonçalo do Beira Rio a respeito da produção cerâmica local.
O caso foi o seguinte: aproveitei essa viagem a Cuiabá para dar uma "esticada" até a Capital Federal com o objetivo de me encontrar com o então Deputado Federal Florestan Fernandes, o sociólogo. A grana era tão curta, que essa viagem para Brasília foi custeada pelo amigo e vereador , naquele momento, Aurélio Augusto, a quem agradeço até os dias de hoje.
Meu plano era "passar o chapéu", mesmo, ou em outras palavras, pedir ao Deputado uma bolsa de estudos, em forma de ajuda de custos, para poder continuar os meus estudos. Naquele tempo, as bolsas eram escassas e só havia a possibilidade de se conseguir financiamento por meio de um tal "crédito educativo", concedido pela Caixa Federal. Porém só alguns poucos conseguiam.
Não deu certo!
Quando cheguei ao seu gabinete, mal passei da porta e já fui barrado por um assessor.
Expliquei a ele minha situação de penúria e, como consolo, me garantiu que uma carta seria redigida pelo gabinete e encaminhada para a Reitoria da PUC-SP.
E de fato isso aconteceu.
De volta a São Paulo, fui chamado pela Vice-Reitora Comunitária, a quem relatei todo o meu drama pessoal. Ela me ouviu, tendo a missiva de Brasília nas mãos, e em determinado instante me disse com ares de deboche:
-"Olha Saulo, esse Florestam é um (…), pois ele tem verba para casos como o seu, mas já passou para os seus protegidos... Agora, se você aceitar, venha trabalhar comigo aqui na Reitoria, como estagiário, e assim vai poder pagar os seus estudos”.
A partir daquela conversa, meu mundo ficou mais leve e sorriu. Pude continuar na Universidade, além do mais, organizar eventos culturais e me tornar amigo de pessoas muito boas como Jair Farias, Zeca, Rodolfo Dantas entre outros. De quebra, ainda fui contemplado com uma cota mensal para comer no “bandejão”. De lá para cá, não parei mais.
Passados 32 anos dessa narrativa, cá estou na Universidade de São Paulo, desenvolvendo o meu terceiro pós-doutorado, escrevendo meu livro mais recente, ainda com muita vontade de aprender e contribuir com a sociedade.
Mas isso só foi possível porque, naquele momento de tantos obstáculos, um anjo surgiu no meu caminho. Não era um anjo com asas, de fala mansa, pele nevada e cabelos encaracolados, como esses que imaginamos pintados nos vitrais de catedrais suntuosas.
Era, sim, uma mulher de temperamento forte e, ao mesmo tempo, humana e justa. Assim era a minha querida amiga Teresinha Bernardo, Pesquisadora , Professora e Antropóloga, que me deu a oportunidade para continuar a caminhar em direção ao conhecimento.
No dia 15-06-2024, soube que partiu em direção as estrelas para uma nova conferência!
Nesse texto, deixo meu eterno reconhecimento, esperando, quem sabe, reencontrá-la, um dia, para darmos boas risadas sobre as vidas após a vida.
Um abraço, Professora!
A seguir, deixarei duas lembranças realizadas graças a oportunidade de trabalhar na Reitoria Comunitária da Pontifícia universidade Católica de São Paulo, no ano de 1992.
Vídeo com o registro da pesquisa em São Gonçalo do Beira Rio ( que depois virou livro: “ Da iniciação científica ao doutorado “, pela Ed. Quártica!).
2. "Folhas Avulsas" - Antologia poética dos melhores textos do “ I Concurso livre de poesia Brasil - Portugal”, da PUC-SP, 1992.
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