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Foto do escritorSaulo César Paulino e Silva

SOMOS QUASE


O som do hiato, que separa a barbárie da civilização, é como o silêncio turbulento do olho do furacão, onde luz e trevas travam a batalha derradeira para salvar ou perder vidas. Testemunhamos, atualmente, em nosso país, uma espécie de dicotomia entre um discurso, que reproduz as vozes infernais, e aquele que ainda procura nesgas de esperança.

Entre os cadáveres, contabilizados oficialmente em mais de 300.000, espalhados pelas calçadas, pelos cantos mais pobres, gente anônima é castigada em seu sono, em seus sonhos. Ao ser colocada em xeque a sua sanidade, veem-se vitimadas pela síndrome do quase, que castiga a perspectiva de ser.

No início do século XXI, os horizontes da Pátria Amada se despiam da indigência histórica da subserviência à Colônia D’além Mar, cedendo lugar para a construção de uma identidade própria, mestiça no acarajé, na cadência da musicalidade expressa no sorriso da pele de um povo feliz. No entanto, armadilhas históricas e políticas, planejadas pelos vendilhões do templo, traidores obcecados pelo poder e glória efêmeros, levaram aquele País que seria, à condição de pária do mundo.

E agora como uma nau sem rumo, adernando para a extrema-direita, observamos o seu Capitão preparar os botes salva-vidas para, primeiramente, proteger os seus mais próximos, os seus pertences, a sua imundície crônica, guardada em um coração enferrujado pelo lodo dos esgotos. Diante dessa crônica de uma morte anunciada, é possível reconhecer que, durante o vendaval, iniciado em 2016, ainda restam farrapos de discernimento a respeito da escolha errada que a maioria dos brasileiros fez em 2018.

Nessa perspectiva, o pesadelo que apenas começava, viu-se o individualismo abrir suas asas sombrias sobre a coletividade. As armas passaram a dar o tom dos disparos em detrimentos aos livros e à liberdade de expressão. A admiração de muitos (países) por um povo plural, deixou de ser uma certeza, para abrir uma profunda fresta, onde a repulsa a nós, brasileiros, passou a ser regra e não exceção e ainda sem perspectiva de cicatrização.

E agora estamos aqui, parados diante desse cenário apocalíptico, em que Nero se traduz e ressuscita em suas políticas públicas, que não existem; e agora estamos aqui a lamentar e cultivar a cultura do quase. Fomos uma quase Nação, onde a fome foi quase eliminada e a educação foi para quase para todos.

Ainda contabilizamos os mortos, ainda temos o sono castigado, ainda temos os sonhos perdidos, ainda somos anônimos a velar as almas pelos becos escuros da Favela Brasil, esquecida pelo Brasil.

Ainda estamos quase, ainda somos quase; e 2022 ainda é quase.

O que faremos?

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2 Comments


vanuzayasmiiin
vanuzayasmiiin
Mar 29, 2021

Perfeita definição para o momento em que estamos vivendo!! "Ainda somos quase"

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Infelizmente. Espero que em breve sejamos inteiros!! Obrigado pela visita.

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