Hoje, trazemos para o Páginas Literárias mais um texto narrativo, ou melhor, uma crônica urbana do amigo, e escritor Jair Farias, (Jazz), “Porta Giratória”.
Autor de diversas outras obras, como, por exemplo, do romance: “Os contos de Sören” e, mais, recentemente, “O Doutor de Uru”, é um criador nato de narrativas instigantes, histórias ficcionais que se confundem com a realidade.
O texto apresenta um contexto leve, porém, não menos ácido, quando somos convidados a vivenciar, como leitores, um tipo de cumplicidade não intencional entre os personagens do texto.
O enredo, de certa forma provocativo, envolve a temática a respeito das decisões que, cotidianamente somos obrigados, ou não, a tomar. Instiga-nos a pensar que uma atitude precipitada poderá mudar o rumo de nossas vidas. E isso fatalmente poderá levar quase sempre à pergunta:
- E seu eu tivesse reagido de outra forma?
Portanto deixo a pergunta, em aberto, para vocês responderem, após a leitura.
Espero que apreciem.
Na entrada da biblioteca Mário de Andrade, no centro da cidade de São Paulo, me apressava para aproveitar a meia hora que me restava do horário de meu almoço, antes de ter que retornar ao meu posto de ascensorista dos elevadores dos mais de 40 andares edifício Itália, a pouco mais de 100 metros da biblioteca, quando um imprevisto aconteceu: a porta travou.
Como de costume, comia minha marmita a toque de caixa e partia para a biblioteca, contando os minutos, para minhas rotineiras leituras, aproveitando o trajeto para a digestão e a literatura como sobremesa, tudo cronometrado, pois odiava atrasos, principalmente se fosse o motivo para ser chamado a atenção, tinha um chefe muito rigoroso.
Minha vida era um eterno vem e vai, ou subindo e descendo nos elevadores, ou indo e voltando do serviço para casa, ou mesmo indo e voltando do trabalho para a biblioteca. Com Maria, minha eterna noiva de mais de 20 anos de relacionamento, era a mesma coisa, vivíamos rompendo o relacionamento num dia, para no outro reatar com a mais fervorosa paixão, coisas de apaixonados.
Mas vamos lá, deixando os detalhes da minha vida sentimental de lado e vamos à porta da biblioteca. Apressado, me deparei com outro apressadinho que se preparava para sair e no impasse da porta giratória, ficamos os dois aprisionados. Fosse uma porta de vai e vem, não seria problema, mas era uma porta giratória, algo cíclico que fugia ao meu domínio. Tentei com elegância pedir licença ao apressadinho e que recuasse, este se negou alegando estar na preferência e que não voltaria atrás da sua posição, com orgulho abalado frente à indiferença do cidadão, também não arredei o pé. O impasse perdurou por mais de meia hora, eu tentando entrar e o apressadinho tentando sair.
Olhei para o relógio e percebi que meu horário estava no limite, porém, o apressadinho do outro lado, já tinha jogado a toalha para seus compromissos e encarava aquela situação como questão de honra. Pessoas se aglomeravam do lado de fora, querendo entrar e do lado interno, querendo sair... um princípio de revolução se ensaiava, mas o orgulho inabalável não me deixava ceder. Alguém sugeria chamar o bombeiro, outro a polícia, outro ainda um psicólogo para entender a situação. Um perito em ir e vir como eu, não poderia ser cerceado do meu direito, era meu livre arbítrio que estava em jogo: “Estamos em um País livre, tenho meus direitos” – pensei.
Foi quando uma voz conhecida ecoou feito trovão do lado de fora, em tom ameaçador:
- Libera essa porta ou será demitido.
Olhei para trás ainda de peito estufado para enfrentar o novo desafiante e vi a imagem zangada de meu chefe, de cara fechada, com um palito no canto da boca, que também apressadinho em fazer uso do seu horário de almoço, reivindicava com propriedade o seu direito de ir e vir, fosse lá qual direito eu teria.
Tentando reafirmar a condição soberana sobre meus atos, cedi com boa educação em nome de uma causa bem maior.
Gostei muito dessa crônica, ela é leve e até nos faz rir, pelo menos eu quando vi o desfecho final… Foi irônico, para não dizer que foi quase trágico…É uma leitura para se pensar faz parte do nosso cotidiano, gostei mesmo. Fiquei pensando ao ver o final, onde ficaram os devidos “direitos” do autor? E pergunto, onde estão os nossos “direitos”, visto que há sempre uma “voz” a nos gritar, comandar e nos deixar sem reação, a não ser a reação de dizer: “sim, senhor”! Esta é a nossa vida, estamos indo, vindo ou parados frente à montanhas de portas que nos impedem de passar e pior, nos fazem regredir… Voltamos atrás, a porta não se abre, a “voz” grita e…
Obrigado pela crítica pontual... Não nos esquecemos de que vivemos um momento de incertezas e nosso direito de ir e vir pode estar ameaçado...