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Foto do escritorSaulo César Paulino e Silva

O VENDEDOR DE AMENDOIM

Dando sequência ao resgate de textos, produzidos ainda na juventude, hoje compartilho com vocês outra crônica urbana, com o título: "O vendedor de amendoim".

O diferencial, nessa narrativa, de alguns outros textos, é que foi inspirada em uma das muitas viagens, que fiz a minha cidade natal, desde criança, o Rio de Janeiro, particularmente, ao bairro de Campo Grande.

Hoje, dia 07 de junho, quando completo 60 anos, fico feliz, não só por ser um sobrevivente, mas pela possibilidade de fazer uma espécie de retrospectiva, na qual constato que minha vida é marcada por uma linha de coerência, alinhavada pela inconformidade com a desiguladade e a injustiça social.

Tenho outra observação, referente ao seguinte trecho do diálogo:

" Ei garoto, quanto custa o canudinho?

- Um cruzado Sinhô". A palavra "cruzado", no texto original, foi substituída pela expressão "real" para ficar contextualizado aos dias de hoje.


Vamos à história?


Boa leitura e se puderem deixem os seus comentários.


 

Tuc! Tuc! Tuc!


O trem chacoalhava, parecia murmurar uma canção rimada no caminho de ferro para o subúrbio. Eram três horas da tarde e Campo Grande ainda estava longe. Eu cochilava, sentado no incômodo banco de madeira. Ouvia, ao longe, o grasnar de uma voz aguda:

- Olha o amendoim. Amendoim quentinho!

Não dei bola da primeira vez. Pensei que deveria ser mais um desses moleques de rua, que vagam por ai, sem destino. Procurei voltar para o meu cochilo. Mal havia fechado os olhos, e ouvi outra vez:

- Amendoim! Olha o quentinho.

Já era a segunda vez, que ele passava por ali. Resolvi, então, prestar atenção para saber quem era o insistente vendedor. Olhei de soslaio, e vi se aproximar um menino de uns treze anos, talvez.

Quando passou por mim, perguntei:

- Ei garoto, quanto custa o canudinho?

- Um real pro sinhô!

- Me dá um, então.

Escuta, guri, há quanto tempo você vende amendoim no trem?

- Sei não, moço. Nunca parei pra pensá. É o que faço o dia todo.

Fiquei intrigado com aquela figura mirrada e alegre, diante de mim e fui perguntando:

- Você está estudando?

- Eu bem que tentei, moço. Mas isso não é coisa pra favelado, não. Ou a gente descola o rango ou estuda. Escola é coisa pra rico.

- E o que você faz, além de vender amendoim?

- Ah, depois que saio do trem e subo o morro, vou lá pro barraco, ficar com a mãe. Não tenho pai, e eu que dou o trampo. Tem dia que bato uma pelada no Beira Linha, na zaga, com a camisa do "Fogão', que ganhei de um amigo.

- Fiquei pensativo! Não havia parado para pensar como seria a vida de uma criança, inserida naquela realidade. Aproveitando o momento da minha mudez, o garoto foi dizendo:

- O moço, não tenho tempo pra ficar jogando dinheiro fora! Obrigado pela compra.

Dizendo isso, deu um sorriso cristalino, que contrastou com sua pele negra. Pegou a nota, enfiou no bolso, e saiu sambando, como quem calça o ritmo nos pés, sem saber o porquê, arrastando suas havaianas surradas e os seus sonhos.

Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, perdeu-se da minha vista, no meio dos passageiros, indiferentes ao nosso diálogo momentâneo.

Ao longe, ainda podia ouvir:

- Olha o amendoim, olha o amendoim, quentinho.



 



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