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Foto do escritorSaulo César Paulino e Silva

O TARÔ- Jair Farias



Hoje, apresentamos o conto "O tarô ", do amigo Jair Farias.

A narrativa instigante, e envolvente , como se caracterizam os textos do autor, traz para o centro da cena Fausto e uma cigana, chamada Sulenka.

O acaso de um anúncio de rua faz com que o protagonista busque nas cartas respostas para algumas de suas questões pessoais.

O resultado do encontro entre Fausto e Sulenka surpreende.

Quem, algum dia, não pensou ou chegou mesmo a buscar respostas nas cartas?

Espero que apreciem.

 

Fausto se sentia angustiado, inconformado e insatisfeito. Vivia a constante sensação de incompletude, a procura do algo a mais que pudesse fazer seus dias mais ternos e floridos. Filho de família abastada, foi criado a pão de ló, com tudo do bom e do melhor. Não sentia falta de dinheiro e, além do berço nobre, tinha um excelente emprego em uma multinacional do ramo de aplicativos de relacionamentos, com um ótimo salário e garantia de benefícios incalculáveis, que iam de acesso a academias, shows musicais, cinemas, restaurantes, planos de saúde, odontológicos e outros até a pacotes de viagem ao exterior, com direito a hospedagens nos melhores hotéis. Também a carência afetiva não se aplicava a sua vida social, pois pelo fato de administrar uma plataforma de relacionamentos, sempre se achava rodeado e paparicado por amigos digitais inteligentes e gentis, que sempre o mimavam. Envolvimento amoroso? não tinha. Era uma escolha, pois não faltavam propostas das mais interessantes mulheres que o assediavam.

Era um bonachão e, mesmo projetando uma aura de simplicidade educada e humildade discreta, se achava capaz de tudo, de fritar um ovo em panela antiaderente a desenvolver o mais complexo programa de computador… seu portfolio de conhecimentos ia de prego a foguete… certa vez, em uma exposição de artes que reunia obras de artistas europeus, se postava na frente de um Picasso, ou Miró, ou Van Gogh e até mesmo Monet e estupefato dizia: “é bonito, sensível, mas nada demais… até eu sou capaz de pintar um destes…”

Não fosse na ópera de Mozart “Don Giovani”, apresentada no Municipal, ninguém jamais o teria visto chorar… se emocionara com o solo do tenor, que lhe arrancou as lágrimas do seu mais profundo sentimento. Aliás o sorriso que estampava em seu rosto, era uma marca de nascença, traço que adquiriu ainda no berço trocando um espasmo alegre por um carinhoso elogio. Ria de tudo e parecia não conhecer a desgraça, tanto que até se questionava da própria sinceridade altruísta se seu sorriso.

Enfim, Fausto tinha, aparentemente, a vida perfeita, não é mesmo? Mas poucos sabem do que conto agora.

Ele, apesar de todos os invejáveis predicados, era uma pessoa intransitiva, tanto que se colocava acima dos próprios desejos…

E, numa morna quinta-feira, ao parar sua Mercedes esportiva em respeito ao sinal vermelho do semáforo da avenida Berrini, leu em um lambe-lambe, colado em um poste de iluminação a seguinte propaganda: “Tarô R$500,00 conquiste o amor da sua vida. Rua Arandu, 140 - horário comercial”.

De imediato a curiosidade o conquistou e sem pestanejar, colocou o endereço no gps de seu carro e tocou até lá.

Chegou rápido, pois estava a poucas quadras de lá. Estacionou sua máquina e desembarcou. Parado em frente a uma pequena casa assobradada, tocou a campanha e não tardou uma senhora de meia idade, trajada por um figurino de cigano ornada por inúmeras bijuterias, vestido rendado, lenço na cabeça e um chale estampado, apareceu e abriu um largo sorriso expondo seus caninos de ouro e convidou-o a entrar.

- É aqui que lê o tarô?

- Sim, pode entrar.

Mal passou pela rangente e velha porta de madeira, pode sentir o aroma sufocante de um incenso barato que defumava o ambiente, mal iluminado e de aspecto no mínimo sinistro. A mulher foi se apresentando:

- Sou madame Sulenka, sua criada e porta-voz com o transcendente… se precisa alento para seu espírito, veio ao local certo… - mediu Fausto, de cima em baixo, focando suas atenções no relógio Rolex que trazia no pulso e na grossa corrente de ouro com pingente de São Judas, pendurada no seu colo, e continuou - pela sua expressão desalmada e triste, sinto sua aura carregada… o que vem buscar aqui, meu jovem e rico rapaz?

- Ainda não sei… talvez conforto pro meu espírito, talvez paz para meu coração, mas algo que conforte a angustia que sinto na minha falta de emoção.

- é quase um poeta – Falou - Se procura amor, qualquer que seja ele, veio ao lugar certo… vou ler as cartas e mostrar pra você o que elas te dizem e onde você pode encontrar o que procura.

- Mas como posso procurar algo que não sei o que é? - Questionou duvidoso e emendou - Não sonho com riqueza, pois tenho de sobra, nem falta de beleza, nem qualquer outro bem que alguém pode desejar. Sinto um buraco enorme no peito, um vazio difícil de preencher, algo indizível e ruim de explicar. As vezes dói silencioso e às vezes é de gritar… acho que quero mesmo uma aventura ou algo pra me ocupar… porém nada me basta e a angústia não me dá trégua e as vezes penso em me matar. Tenho todos amigos do mundo, as namoradas mais belas e tudo o que o dinheiro pode pagar, só não tenho a felicidade e é isso que vim buscar.

- Essa criança veio ao lugar certo… pague o tributo das cartas e ela te dirá o que você precisa fazer pra ser feliz.

Fausto, sem vacilar, pegou no bolso a carteira e tirou dela todo dinheiro que tinha, muito mais do que cobrava a cigana e sem titubear entregou a ela, que de imediato, pegou o pagamento o guardou no peito, por dentro do sutiã.

Pediu que se sentasse em uma cadeira em frente a uma mesa de madeira forrada por uma toalha de renda, já meio amarelada. Pegou um estojo preto, decorado com desenhos dourados, de onde tirou um desgastado jogo de cartas e embaralhou-as todas. Depois, pediu pra Fausto cortasse o montante de cartas ao meio, separando em dois blocos de cartas. Depois, juntou os blocos na ordem inversa, colocando o retirado de cima, embaixo do outro, depois abriu um leque com as cartas e pediu que ele mentalizasse nos problemas e escolhesse 10 cartas, retirando do leque aberto uma-a-uma com a mão direita. Com habilidade de veterana, espalhou as cartas sobre a mesa. Virou as três primeiras… a cada figura que aparecia, revelava uma expressão teatral em seu rosto, que instigava ainda mais a curiosidade de Fausto…

- Hum, não sei… bom… hum… - murmurava a cigana metamorfoseando as expressões de seu rosto numa sincronia com os sons, entregue defronte ao repertório estendido sobre a mesa…

Fausto, apreensivo e com esmera atenção, acompanhava o ritual da cigana boquiaberto, como se estivesse hipnotizado.

- Quê? O que apareceu? É bom? É ruim? Vou morrer? - experimentava uma sútil sensação de pânico e incompreensão.

As questões sobrenaturais e metafísicas metiam-lhe medo. Sempre que podia, evitava resenhas sobre pós vida, espíritos, alma, outro mundo etc… se assombrava facilmente com o extraterreno.

Ao mesmo tempo que a cigana ia abrindo e revelando as cartas… Sugeriu a Fausto, que se concentrasse em algo que muito desejava, que canalizasse todas suas emoções e pensamentos…

Fausto, mergulhado num vazio, sem saber o que queria, desejou descobri a causa da sua angústia, o que o levava a insatisfação da felicidade.

A cigana disse: - pronto? - e virou mais três cartas.

E novamente repetiu o ritual:

- Hummm, bom… humm…sei… humm

- Que? Descobriu???

- Calma garoto… as cartas estão falando entre si e achando uma saída pra você…

- Saída? Como assim?

- Calma, muita calma… você precisa ter calma e relaxar pra que as cartas se integrem no seu espiritual… existe uma barreira e temos que atravessa-la… agora, se concentre nas coisas que te enfraquecem, que te deixam impotente, que o desestimulam, que o faz se sentir derrotado… algo que te desagrade…

Fausto, mais confuso ainda, pois sempre se sentiu forte, inabalável e vencedor… nunca se sentiu um fracassado ou temeu algo... talvez sentisse falta de estímulos, mas não o bastante para interferir em sua vida… mas fechou os olhos e se concentrou, buscando bem no fundo do seu ser essas possíveis sensações…

- Pronto, estou pronto - repetiu atônito, acompanhando com interesse a cerimônia da cigana…

A cigana virou mais três cartas… e novamente retomou seu facial teatro caricaturesco... em um momento franzia a testa, outro levantava as sobrancelhas, noutro ainda comprimia os lábios...

- Hum… aha… hum… — já esboçando um mecânico sorriso de trapaceira, entortando ligeiramente o canto da boca disse:

- As cartas estão com dúvidas e apreensivas… deixaram o veredito para a última carta… pode ser algo bom, mas também pode ser mal… preciso saber se você vai querer desvenda-la…

- Sim, sim, vira logo essa carta que estou preparado para o tudo ou nada…não aguento mais essa insensatez… vamos, vire.

- A cigana, agora com expressão sisuda e séria... disse:

-Então vamos lá… e virou…

Apareceu uma figura de um arcano maior: o louco.

A cigana relaxou os ombros e sorriu em alívio e, olhando nos olhos de Fausto, falou descontraída:

- Seu problema é claro e fácil de resolver. Só depende exclusivamente de você... Mas você terá que se dedicar a duas simpatias. Uma inicial e outra pra ser praticada diariamente, pra alcançar o resultado positivo e eliminar essa angústia que carrega dentro de si… Essa Angústia é um encosto pesado que suga sua energia e sairá de você na primeira fase da simpatia. Primeiro, tome um banho de ervas, ou de folhas de boldo. Uma vez já basta. Depois, cumpra um ritual diário. Já de imediato, se entregue de corpo e alma, com paixão intensa e ame profundamente a pessoa que aparece no seu espelho quando você está defronte a ele e a vê. Olhe-a admire-a como um narciso, todas as manhãs antes de sair de casa. Não esqueça de elogiá-la, fará bem ao ego dela. Feito isso, você será feliz!

- Ficou interrogativo e desconfiado de que fora ludibriado, mas aceitou o conselho das cartas…. Pensou, pensou… entendeu... riu de gargalhada da situação e saiu satisfeito... finalmente entendeu tudo e suas suspeitas se confirmaram… o que realmente precisava fazer era algo de fora pra dentro, algo seu, totalmente pessoal... era aprender a gostar de si mesmo.

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1 Comment


margotnogueira89
margotnogueira89
Sep 25, 2022

Não sou adepta do tarô, cartomantes, etc... Mas, não posso deixar de comentar sobre o texto acima, devido ao modo como foi escrito, gostei muito pelo fato de como nos atraiu até ao fim, nos instigando a pensar no final. Confesso que não acertei, isso foi bom, pois creio que o autor deve ter desejado isso. A reflexão que nos faz fazer sobre nós mesmos é louvável, pois quantos não se encontram hoje assim; sem se "acharem", se "entenderem" e se "amarem", isto causa uma destruição para si e para os outros que por muitas vezes não conseguem ajudar a pessoa que está como o personagem, cheia de tantas coisas e vazia de si! Parabéns Jair! 🙂

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