Recentemente, reencontrei colegas dos tempos idos do então primeiro grau, nas redes sociais. Nesse mundo virtual, essa é uma das grandes conquistas, que nos são oferecida. O mais estranho desse reencontro, no entanto, é que não consegui me sintonizar com aquelas pessoas, pois pareciam de outra geração, que não a minha, ou talvez, eu não parecesse pertencer a geração deles!
Em grupos de Facebook, alguns defendiam o Regime Militar da época, outros atacavam a esquerda, como se fosse o grande mal do século. Embora tenha reencontrado alguns colegas da época, como disse, infelizmente, só pude confirmar o desencontro, que me fez virar mais essa página e seguir adiante.
A história, que narro, neste post, embora ficcional, em parte, retrata o pensamento de um momento trágico de nossa história recente e da qual pude vivenciar.
Esse texto foi produzido nos anos 1990.
Os fatos aqui relatados não são mera coincidência com a realidade.
Quando ocorreu o golpe militar em 1964, aqui no Brasil, algumas reformas educacionais foram realizadas para adequar o ensino aos moldes ideológicos de então. O acordo MEC/USAID veio como fórmula promissora para modernizar e pasteurizar o nosso velho e tradicional método de ensino. Junto com ele, a lei 4024 de Diretrizes e Bases da Educação, e consequentemente a catástrofe.
Na escola pública, onde eu estudei, não era diferente. A Diretora Guidorizzo, para nós uma jararaca de cara empastelada de pintura, andava pelos corredores vigiando; mandando em tudo, punindo quem caísse em suas garras, ou ousasse desafiá-la.
No entanto, nem tudo era complacência ou subserviência. Foi em uma aula de português, que comecei a perceber isso. O professor Ernesto Emboaba disse em classe, em tom de confidência:
- Gente, vocês precisam saber que, aqui no Brasil, ainda falamos o português. O inglês é para inglês ver! Quero dizer, falar, pois nem tudo que é para os Estados Unidos é bom para o Brasil.
Nisso, a Diretora, que passava por ali, vermelha de ódio, gritou para o professor:
- Senhor Ernesto! Onde já se viu dizer tamanha bobagem. O senhor não sabe que agora o ensino poderá ser concluído com muito menos dificuldade? Os alunos nem terão que prestar o exame de admissão.
Um silêncio constrangedor pairou momentaneamente no ar, e só foi quebrado, quando o Ernesto respondeu:
- Cara Diretora, por acaso, sabemos o que será de nossas crianças amanhã? O que nos garante que essa estupidez toda dará resultado?!
- Ora, professor. Eu não admito comunista em minha escola. O senhor é o famoso “verde-melancia”. Acho melhor tomar muito cuidado! Dizendo isso, saiu da sala, fula de raiva, batendo a porta com toda força.
No dia seguinte, estávamos todos ansiosos, esperando a aula do Ernesto. A classe estava inquieta, e pairava no ar aquele clima de expectativa. Foi quando apareceu um homem sisudo, careca, com fartos bigodes e cara de mau. Sentou-se à mesa do Ernesto e disse sem emoção:
- Boa noite! A partir de hoje, sou o novo professor de português de vocês. Infelizmente, o outro professor adoeceu e não poderá dar mais aulas.
Ninguém entendeu nada. Só sei dizer, que nunca mais tivemos notícias do professor Ernesto Emboaba, que sabia demais, que ficou doente de repente, mas plantou a semente:
"Nem tudo que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil".
E como estamos agora? E como estaremos amanhã? Uma geração após a outra, perdendo cada vez mais nossa essência, nossa dignidade, pois nada fazemos a não ser copiar o que de fora vem, abrimos a boca e engolimos. Achamos tudo muito lindo e muito certo, pois nos consideramos como insetos, diante de tão ricos países do mundo afora... Somos maravilhosos, somos ricos de tudo, de alegria, de boa terra, de inteligência, de mãos trabalhadoras e de corações esperançosos... Somos tudo, mas ao mesmo tempo não somos nada, pois nada nos deixam ser....
Parece cada vez mais claro, amigo, que, em relação a esses encontros dos tempos de escola, o passado precisa ficar no passado. O mesmo aconteceu comigo. Por onde andará o professor Ernesto?
Gostei muito da foto. Dê a mão a esse menino e siga em frente.