Quando se chega a uma determinada idade, eu nos quase 60 ( e você?), as memórias afloram como vivências atemporais, que preenchem o presente, fazendo degustar essas experiências como aqueles doces que dão água na boca.
Como linguista, aprendi, na perspectiva da Análise do Discurso, que no processo cognitivo, de construção do sentido, há duas memórias: a de curto e a de longo prazos, esta última relacionada com as lembranças sociais.
No entanto, essa abordagem mais acadêmica, e menos literária, certamente deixaria o texto frio e distante das emoções, e por isso fugiria desse momento do sentir. Portanto, é na direção de uma boa conversa, que hoje trago “ O dia do Planetário"; e lá vamos nós, de volta a Escola Estadual “Deputado Silva Prado”, Localizada em um bairro da Zona Leste, em São Paulo, por volta dos anos de 1970.
A noite ia chegando, e à medida que o horário de saida dos ônibus se aproximava, a euforia aumentava. A ideia de conhecer o Planetário deixava de ser abstracao para se tornar realidade.
Cada ônibus levava uma ou duas turmas; o embarque ocorreu em frente aos muros, próximos ao portão principal. O burburinho agitava o interior do nosso veículo, onde risadas, olhares, cumplicidades desenhavam o clima de festa, mesmo pairando no ar “a sombra” da então temida diretora mão de ferro Aparecida Guidorizzo, ou do inesquecível Paulino, bedel fiel às normas e disciplina.
Durante o percurso, me lembro, nitidamente, das análises do Serafim, colega de classe, que falava como um especialista, sobre a empresa responsável pelo transporte a “ Manzalli“ e o tipo de ônibus, motor e seu desempenho, câmbio e etc... Serafim trabalhava na feira livre com seus familiares. Branco, “gordinho”, maçãs das faces vermelhas, acredito, sem convicção, que era descendente de portugueses.
Outros nomes também vêm a minha mente, enquanto revivo aquele momento. Aleatoriamente, me recordo da Tarita, uma japonezinha muhito sorridente, o Ratinho, hoje meu amigo Zeca Teodoro, o Bula, hoje Paulinho e tantos outros que fizeram parte dessa história.
O comboio deixava a distante Zona Leste, da Capital, rumo ao Parque do Ibiraquera, bairro nobre, onde se localiza, até os dias de hoje, o Planetário, nosso porto de chegada.
Ainda a caminho, recordo a letra de uma melodia improvisada, que dizia "corre, corre, corre, se não correr garcia morre". Todos cantavam entusiasmados aquela música, no entanto, do "Garcia", mesmo, pouco me lembro, apenas alguns traços fisionômicos que ficaram guardados e muito menos saberia dizer o porquê de escolherem o seu nome, como mote da canção-brincadeira.
Ônibus estacionado, a fila, a expectativa no grau máximo, e finalmente a entrada no esperado espaço. O interior da sala era iluminado a meia luz , ainda sem estrelas; era como se estivéssemos em uma sala de cinema circular, com uma grande máquina meio tubular ao centro, e a tela parecia estar no teto, como em uma nave central de alguma catedral antiga.
Naqueles tempos, a imaginação contava muito, pois não havia o mundo digital para facilitar. Viviamos, literalmente, uma vida analógica, regida pela concretude. O que ia além disso era pura ficção científica, que aliás, sempre fui um fã inverterado!
Aos poucos, a fraca iluminação ia cedendo espaço para um "entardercer" que, na sua artificialidade, aguçava, ainda mais, a nossa curiosidade. À medida que a sala "anoitecia", alguns pontos luiminosos começavam a aparecer no "céu".
Aos poucos, "estrelas" salpicavam por todo o "espaço celeste". Uma narrativa indicava e identificava as diferentes constelações, planetas com suas características próprias. Era um verdadeiro show de tecnologia, regado a uma emoção indescritível para muitos de nós.
Tudo foi tão fantástico, que, quando nos demos conta, pelas bordas inferiores do teto, uma cor alaranjada começava a indicar que a "noite" estava no fim, pois o "sol" estaria despertando para um novo dia.
Logo em seguida, o fim da sessão.
O dia No Planetário foi inesquecível!
Fizemos a viagem de volta, ainda com os nossos olhos pregados naquele céu artificial, que alimentou nossos pequenos sonhos de criança, durante muito tempo.
Tanto isso é verdade, que hoje estou aqui, revivendo essas memórias, compartilhando essa incrível experiência, que chamo de revivência.
Fonte da Imagem: https://revistatudo.com.br/cultura/com-sessao-gratuita-planetario-ibirapuera-recebe-espetaculo-para-dia-nacional-da-astronomia/16114/
Achei lindo quando visitei o planetário, na ocasião estava levando meu filho.