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Foto do escritorSaulo César Paulino e Silva

MEMÓRIAS GUARDADAS



 

Existem palavras, que nos encantam apenas pelo fato delas existirem em nossa rica língua.

Vocês, caros leitores, também têm as suas palavras preferidas, ou que lhes caem bem aos ouvidos?

Independentemente de sua contextualização geográfica, esses vocábulos, quase mágicos, trazem em seu bojo algum tipo de mistério, que se desdobra em lembranças, ou memórias, nem sempre claras.

Dentre as tantas, que me encantam, "Alfarrábios" é uma dessas!

Segundo o vernáculo, sua classificação morfológica é de "substantivo masculino". O seu significado semântico é: 1. livro velho, ou há muito editado, e que tem valor por ser antigo e por extensão anotação antiga (mais us. no pl.).

Como estudioso da Língua há mais de 30 anos, embora no campo da Linguística Aplicada, e não da Gramática, teimo em afirmar que o seu significado vai muito além dessa simples definição, embora esteja relacionada a ela, disso não se tem dúvidas.

Além de ser título de uma das obras, da Literatura Brasileira, do romântico José de Alencar, que evocava contos dos tempos coloniais, por volta de 1870, "Alfarrábios" chegou aos nossos dias como definidora de locais onde se vendem livros usados ou antigos, mais conhecidos, atualmente, pelo nome nada simpático, na minha modesta opinião, de "sebo".

A ideia de "Alfarrábios" evoca uma espécie de sentimento, em que o seu passado nos aproxima dos segredos da cultura árabe, deixada como herança pela ocupação desses povos mouros, na formação dos países iberamericanos, ao longo de sua história.

Somando-se a esse sentir, ao se entrar em um alfarrábio, ou sebo, como quiserem definir, tem-se a sensação de uma volta ao passado, onde as vozes aprisionadas de autores ancestrais eclodem, de forma surda, dos livros enfileirados em estantes velhas, de madeira nem sempre nobre.

O cheiro de outras eras se traduz no ar, sugerindo, que o tempo, ali, parou para os leitores viajarem nas folhas amarelas e empoeiradas daqueles tesouros desconhecidos. Essa experiência é tão enriquecedora que, não raramente, encontramos outros tesouros "perdidos" ou esquecidos no interior dos livros.

Essas outras relíquias descobertas podem ser anotações nas margens, trechos grifados, marcadores de páginas, esquecidos por uma leitura interrompida, dentre tantas outras possibilidades imaginativas, que revelam por quantas mãos, por quantos locais, ou ainda por quantos olhos aquela obra passou!

Dessa variedade literariamente arqueológica, uma das que mais me encanta são as dedicatórias. Verdadeiro testemunho das relações humanas, que evocam sentimentos nobres dos mais variados matizes.

Nas minhas incursões, por esse labirinto mágico de páginas antigas, também garimpei os meus próprios tesouros. Por exemplo, a publicação de “A ressurreição “, que ilustra esse post, de Manuel Ribeiro, do início do século XX, encontrei aleatoriamente em um sebo despretencioso, no Centro de São Paulo, de nome sugestivo, "Lisboa",. A obra, como se pode constatar na imagem, apresenta uma dedicatória, datada do ano de 1931, feita provavelmente na cidade de Serra, em Portugal.

Fico aqui me perguntando, ao compartilhar esses sentimentos existenciais, nem sempre explicáveis, se parte de minha ancestralidade estaria escondida por entre os grãos de areia de algum deserto, onde o sol se eterniza, sendo evocada e provocada, agora, por essa palavra mágica: "Alfarrábios"!


 

  • esse painel, de minha autoria, se chama “Tuareg, nômades do deserto”. Foi pintado em grafite, no ano de 2019.


11 visualizações2 comentários

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2 Comments


Jair Farias
Jair Farias
Aug 21, 2022

Pois é, meu amigo, sua erudição se justifica por uma estante repleta de livros raros com conteúdos valiosos que ilustra cada vez mais suas palavras... Gostei da palavra alfarrábio!

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Bom dia, meu querido amigo. O sebo, ou alfarrábio, Lisboa, hoje, fisicamente não mais existe. No entanto, ficou guardado em minha memória. Obrigado pelo comentário. :)

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