Você olha para o outro lado da sala, observa as roupas repousadas sobre as costas da cadeira. É a mesma cena de anos atrás. Há quantos milênios se olha no espelho e não se dá conta de que o tempo deixa marcas sensíveis sobre a pele? O relógio pontua 22:00 horas, de um ano qualquer. O rádio toca músicas do passado. Não adianta olhar para os lados, fingindo que tudo está como antes. Não está! As paredes continuam brancas, imaculadas e neutras, que, indiferentes a essa agonia, apenas atenuam a distância perdida no calendário. O silêncio desespera os anjos do sonho. Sonhar, também, não é mais possível.
A janela desconserta o quarto em desalinho. A pouca luz do ambiente inibe os lençóis revirados e a ponta das cinzas do cigarro que morre aos poucos, no útero de um cinzeiro de vidro. Os sussurros anoitecem com o ruído do jornal, entregue de porta em porta, que ainda não chegou. Um pássaro certamente irá cantar com o dia que se tornará nublado, como a promessa de chuva no final da tarde.
A imagem desse quadro é cúmplice da história que não começa ou termina; apenas continua, sempre, aeternum. É o instante perpetuado em inglória fantasia desvivida e triste.
O relógio, o retrato, os quadros, os livros na estante, a mesa imóvel, os cheiros, os afagos, mergulhados nos copos, esqueceram-se de partir entre os desejos e as memórias distantes. A poesia agora traduz-se em pó, acumulando-se por sobre o assoalho de madeira, que range sob a nudez profana da alma, ferindo os olhos calejados de andarilho desse mundo inventado.
Somos tudo nesse nada, que se descortina em imagens recortadas. Um vácuo desértico de amores, de sorrisos, de lágrimas sinceras e abraços adiados.
Nossa humanidade se perdeu entre os corpos febris, que se deixaram abater, vitimados pelo mal deste século de espanto, em que o descaso tonificou a indiferença dos guardiões oficiais da morte.
Obs.: Imagem da casa de minha avó paterna, que se localizava na Estrada das Capoeiras, em Campo Grande,no Rio de Janeiro, construída no início do século XX.
Os pensamentos se perderam nos espaços da vida que parou de existir. Para não nos perdemos de vez, existem as fotos a nos alimentar de tristeza e saudade infindas... Quantas verdades em tantas palavras e com certeza guardadas em nossos corações com as lágrimas. Lindo, Saulo!