Cena do filme: Deus e o diabo na terra do sol. De Glauber Rocha.
Estamos aqui, mais uma vez, para compartilhar um texto do amigo, escritor e jornalista Jair Farias.
O cenário de CONFORTABLY NUMB, por onde Caminham as personagens, parece um frame retirado do mundo “glauberiano”, fragmentado em suas coerências, ou não.
Jerônimo, por exemplo, se apresenta ausente pela sua finitude, sem passado ou futuro; estará em breve relegado ao seu esquecimento eterno. Assim como todos nós.
No entanto, convido os leitores para realizarem suas próprias reflexões a partir do enigmático intertexto provocativo da escrita criativa e genial do autor Jair Farias.
No pequeno vilarejo de Pirapora do Bom Fim, onde as colinas murmuram histórias antigas e os pinheiros se curvam ao vento, como todas as colinas, o silencioso cortejo avança pela trilha de pedras. A poeira do caminho, suspensa em uma nuvem de compulsório lamento, acompanha o triste ritmo das passadas.
Um carrinho de mão leva o tosco caixão de madeira que guarda o corpo de Jerônimo, um sonhador cujas ambições e devaneios transcenderam as fronteiras do comum. Mãos tristes, benzidas por lágrimas da ocasião, carregam o corpo igreja adentro, para o derradeiro adeus. Velas tremulam na defumação de fortes incensos e o murmúrio das preces ecoa na penumbra.
Cercado por flores murchas e olhares cheios de saudade, o corpo de Jerônimo repousa na nave da matriz. As crenças do vilarejo, a clamar pelo resgate da alma do morto, impõem que suas memórias e amores venham a transcender a finitude do corpo. As pessoas, reunidas em torno do caixão, lembram os momentos compartilhados, as alegrias e tristezas, numa atmosfera de melancolia e reflexão.
De repente, suave e distante, a bela canção Comfortably Numb escapa de um celular e, atrevida, preenche o ambiente, reverberando nos corações daqueles que se despedem. Uma única pessoa, apenas um amigo, sussurra ao ouvido da viúva lembranças dos áureos tempos de Jerônimo, quando seus sonhos eram vastos e suas esperanças, infinitas. "E o que ele ganhou com isso, compadre"? - quer saber a mulher, enxugando um fio de lágrima que lhe escorre pela face. Diante do silêncio do amigo, ela emenda, apontando para o chão: "Um corpo destinado a um banquete de vermes, a última morada do nosso arquiteto de sonhos".
O cortejo segue solene até o humilde cemitério. O homem é lançado a uma vala sem nenhuma escolta de anjos a guiar sua alma. Nem demônios para reclamar o que lhes coubesse. Ninguém a filosofar a almejada eternidade ou a verdadeira finalidade da existência. Entre os presentes, apenas lembranças que podem perdurar ou não.
Nas colinas douradas de Pirapora do Bom Fim, onde o tempo corre como um rio tranquilo, as almas se despedem ao fim de mais um ciclo de vida e morte, sonhos e memórias. O vilarejo, envolto em sua serena beleza, segue seu curso, testemunhando a dança dos corações humanos em busca de significados, quem sabe uma conexão que ultrapasse a finitude do ser.
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