top of page
Foto do escritorSaulo César Paulino e Silva

CASO COMUM - CONTOS

Atualizado: 27 de mai. de 2021


O homem não pode ouvir de onde viera o disparo! A multidão correu desordenada, buscando lugar seguro.

Sérgio, coitado, mal teve tempo de perceber o estampido e desabou sobre suas pernas trêmulas e abandonadas. Fadigado, como se estivesse pesando toneladas, sentiu o mundo se desvanecer. Em um lapso temporal, parecia habitar uma espécie de hiato entre o delírio e a realidade, desses que se vê em algum filme de boa ficção científica.

Sentia-se como um grão de areia, soprado pelo vento suave entre as dunas de um deserto imaginário. As águas do mar gelado não refrescavam a sua boca, ao contrário, sentia o sal cortar seus lábios feridos de memórias esquecidas.

- Onde estou?

Perguntou para si, sem esperar qualquer resposta.

Ao longe, o marulho das águas a espraiar-se pela orla, era como turba acentuada de sons indecifráveis.

O suor desperendia-se do seu corpo, molhando o chão quente, sob o seu peso.

Luzes, uma paisagem desética.

- Mas como estar, agora, em um lugar onde a vida se vai escorrendo para o fim?

O som de sirenes se misturavam à paisagem estranha! Delirava! Freneticamente, o seu interior se convulsionava em meio ao abstrato e desconhecido.

Alguns curiosos se aproximavam, vozes, burburinho, cochichos e sons, que se misturavam, confundindo realidade e devaneio.

Uma voz, em meio ao tumulto, perguntou:

- Alguém o conhece?

Outras vozes responderam:

- Não, parece que não é daqui.

Mais vozes replicavam:

- Não toquem nele até a polícia chegar.

Carros paravam, desviavam do homem inerte. Transeuntes se aglomeravam, palpites inundavam aquela breve pausa, quebrando a rotina do vai e vem das grandes cidades.

Indiferente, agora, Ségio habitava um mundo diáfano, repleto de uma paz desconhecida, até então o seu corpo parecia flutuar entre o nada e o tudo.

Sentia em seus pés o roçar da água gelada, que se contrastava com a quentura do chão. Suas pegadas iam sendo, pouco a pouco, apagadas pelo movimento lento e contínuo das águas invisíveis, fazendo-o esquecer os caminhos das memórias vividas e escondidas ao longo de sua vida.

Agora, ele era todo areia,sol, vento, pedras silenciosas e seculares, banhada por aquele mar de mistérios.

- Ele deve estar sofrendo muito!

- É preciso levá-lo rapidamente para um hospital.

- Não, não mexam nele, até a polícia chegar.

- Mas ele pode morrer...

As frases soltas e confusas preenchiam aquele vácuo.

A polícia nada de chegar e Sérgio já não se importava com isso.

À medida que o tempo escapava aprisionado pela ampulheta do desespero de muitos curiosos, isso parecia ter menos importância para ele.

Por fim, a polícia chegou, fazendo o alarido de sempre. Feito o primeiro atendimento, agora era urgente tranasportar o ferido. A viatura disparara pela Avenida Pricipal, ziguezagueando, esforçando-se para chegar ao hospital mais próximo.

Uma pausa e por fim aproximou-se da orla.

Olhou o azul distante, tentando saborear a paisagem. Mais uma vez, sentiu o acariciar das águas geladas do mar. Agora se viu nu, sentiu o prazer da liberdade. Deitou seu corpo sobre as ondas, mergulhou profundamemente em seus seios. Começou a nadar, distanciando-se da praia com lentidão e firmeza e movimentos contínuos.

Aproximaram-se da entrada do hospital. Por pouco não ocorreu um grave acidente com uma ambulância, que também chegava ao local com um ferido grave. Na porta da emergência, arrumaram rapidamente uma maca e o carregaram.

Correria, soro, primeiros socorros, enfermeiros suados, roupas brancas, luzes acesas, rostos preocupados e o sangue a se espalhar.

Sérgio ausentava-se em sua completude, misturando-se com o horizonte na distância imaginária.


 



26 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Post: Blog2_Post
bottom of page